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Resenha: O Renascimento do Parto

Lançado em 2013 com produção e direção de Érica de Paula e Eduardo Chauvet, O Renascimento do Parto traz à tona a grave realidade obstétrica mundial com destaque para a brasileira, que se caracteriza por um número alarmante de cesarianas ou de partos com intervenções traumáticas e desnecessárias. Além disso, evidencia a importância do parto normal humanizado para as mulheres e seus bebês.

Durante o longa-metragem, há uma reflexão por parte dos entrevistados sobre o modelo obstétrico atual e o futuro de uma civilização nascida sem os "hormônios do amor", liberados apenas durante o trabalho de parto. Como citado pelos especialistas na área, o Brasil possui um índice de 52% de cesarianas, enquanto a taxa recomendada pela OMS é de 15%. Segundo o Ministério da Saúde, esse procedimento não leva em consideração os aspectos emocionais e culturais das mães e podem colocar a vida da gestante e do bebê em risco.

“As mulheres perderam o poder do nascimento e entregaram aos médicos. Elas acabaram se conformando a padrões rígidos estabelecidos pelo sistema médico de que têm que parir em determinado número de horas e que têm que se comportar de uma determinada forma padronizada”, afirma o médico-obstetra Ricardo Jones, um dos especialistas entrevistados. À medida que a cesárea se torna o padrão, considerada um parto mais seguro, as mulheres se sentem mais resguardadas em um local desconhecido e com pessoas estranhas do que dentro da própria casa.

“Quando mal indicada, a cesariana coloca a mulher e o bebê em risco três vezes mais do que se fosse um parto normal”, afirma Esther Vilela, gestora do Ministério da Saúde. O que os estudos mostram é que apenas 5% das mulheres podem precisar realizar uma cesária por problemas reais e não que ela deva ser adotada como parto padrão. Dado que a cesariana tem menos de um terço da duração de um parto normal e os custos são bem mais elevados, é possível afirmar que a indústria do parto é lucrativa e não visa o bem-estar da paciente, principalmente quando se fala na adoção de cesarianas sem qualquer indicação para a sua realização.

Entretanto, o filme evidencia apenas a realidade do setor privado, desconsiderando o setor público. Se na esfera privada a mulher praticamente não tem autonomia para decidir sobre o seu próprio parto e grande parte das cesáreas é realizada sem motivo algum, na esfera pública a realidade é ainda pior. As usuárias do SUS não têm reconhecido seu direito à liberdade, devendo se subordinar ao julgamento médico acerca do que seria melhor a elas e seus bebês.

O documentário cita algumas medidas e leis existentes a favor das gestantes, ainda que na prática isso não se concretize na maioria dos casos. Na saúde suplementar, a ANS vem trabalhando em algumas ações para promover o parto normal e reduzir o número de cesarianas desnecessárias. Entre elas, se destacam a inclusão de cobertura obrigatória para parto acompanhado por enfermeira obstétrica e acompanhante durante o pré-parto, o parto e o pós-parto imediato; e o Projeto Parto Adequado, em parceria com o hospital Albert Einstein e o Institute for Healthcare Improvement (IHI), com apoio do Ministério da Saúde.

Após o lançamento do longa, surgiram novas medidas que visam controlar o número de cesáreas no Brasil. Com a entrada em vigor da Resolução Normativa nº 368 em 2015, as operadoras de planos de saúde são obrigadas a divulgar os percentuais de cirurgias cesáreas e de partos normais por estabelecimento de saúde e por médico, além de fornecer o Cartão da Gestante, no qual deve constar o registro de todo o pré-natal, e exigir que os obstetras utilizem o Partograma, documento em que é registrado tudo o que acontece durante o trabalho de parto. Já em 2017, o governo federal lançou uma série de diretrizes para permitir que a mulher tenha maior poder de decisão sobre o momento do nascimento de seu filho, como: a presença de doulas e acompanhante, o direito à anestesia e a métodos de alívio para a dor, o contato pele-a-pele da criança com a mãe após o parto e o direito à privacidade da gestante e da família.

Segundo a Lei do Acompanhante (Lei Federal nº 11.108, de 07 de abril de 2005), as gestantes podem ser acompanhadas pelo pai da criança ou pelo parceiro durante todo o período do trabalho de parto em todas as instituições do SUS. O Ministério da Saúde indica que a participação do pai durante o parto garante um melhor atendimento para a parceira, além de trazer benefícios como alívio da dor, menor duração do trabalho de parto e diminuição da taxa de depressão pós-parto. A Lei do Acompanhante é válida tanto para parto normal quanto para cesariana, e a presença do acompanhante não pode ser impedida pelo hospital, pelos médicos, enfermeiros ou por qualquer outro membro da equipe.

Uma vez que a maioria das gestantes desconhece seus direitos em relação ao parto, torna-se muito mais fácil convencê-las de que o procedimento mais seguro é a cesariana. Porém, toda mulher tem direito ao parto normal e seguro, seja no espaço público ou privado, sem que ninguém a tente persuadir para fazer uma cesariana, assim como deve ter suas necessidades atendidas e ser tratada com o devido respeito assegurado pela Constituição. É imprescindível que as mulheres resgatem sua auto-estima e se informem sobre seus direitos durante a gestação para que, no devido momento, elas não sejam enganadas e sofram violência obstétrica apenas porque é mais conveniente ao médico, ao hospital e ao plano de saúde.